(Colagem S.C. Zerbetto)
Bom dia!
Destaco hoje a crônica de Ruth Manus do Estadão de título "As pessoas e seus livros". Embora as minhas manias de leitoras sejam diferentes daquelas da autora, não há como não me identificar.
Eu confesso que realmente adoro anotar coisas nos meus livros. Puxar setas, grifar frases, colocar asteriscos. E não tenho qualquer problema em fazer isso a caneta. Até com caneta vermelha, se for preciso. Meus livros frequentemente se parecem com a bandeira do orgulho gay. Ruth Manus
Muito a minha cara, especialmente porque junto a isso a minha eterna mania de colecionar canetinhas coloridas...
É fato livros fizeram parte da minha vida desde que me conheço por gente (e tenho fotos para comprovar o fato). Estou passando por uma experiência interessante agora. Como resolvi me mudar de uma vez por todas para o litoral, com espaço menor para livros, e como não tenho preconceito contra livros em formato eletrônico, resolvi me desfazer de parte da minha biblioteca - obras que não mais me interessam, ou obras que eu tenho em duplicata, obras que prefiro ter em formato eletrônico - e vai por aí afora.
Foi então que eu descobri que as pessoas têm relações absolutamente distintas com seus livros. O que parece normalíssimo para alguns, parece um verdadeiro sacrilégio para outros. Temas como emprestar ou não emprestar, doar ou não doar, anotar ou não anotar, dobrar ou não dobrar, tornamse dilemas tão shakespearianos quanto ser ou não ser. Ruth Manus
Como assim a Sandra está vendendo/doando parte seus livros? Será que ela finalmente se cansou de ler? Será que... e seguem-se uma série de especulações fantasiosas. Não gente, eu não pirei, é a mudança mesmo. Não tenho mais espaço para acomodar duas cópias de "A Sombra do Vento" nem de "O Mundo de Sofia", dois dos meus queridinhos, embora não consiga me desfazer de nenhuma das minhas edições de Jane Eyre, meu grande favorito. Isso porque nunca vou conseguir abrir mão dos vários volumes das Seleções do Reader´s Digest dos anos 40 e 50, cuidadosamente encadernadas pelo meu avô materno, e muito menos de uma edição do século XIX das Ordenações do Reino que meu pai comprou de um velho professor da Faculdade de Direito. Por outro lado, apesar das lindas capas, quero distância da saga napolitana de Elena Ferrante, leitura endeusada pela maioria, mas cujo segundo volume de certa forma me traumatizou a ponto de que não querer ver nem de longe. Espero que outro leitor os aprecie mais do que eu. Ah, e isso sem falar dos livros de romance que eu devorava nas minhas fases de leitura mais escapista - hoje, para esses, descartáveis, eu reservo exclusivamente o formato eletrônico.
Alguns desses livros disponibilizados lá na minha página pessoal do Facebook já seguiram sua caminhada em direção a outros leitores. Alguns permanecem. O entrave é essa minha mania de ler na língua original sempre que possível. Infelizmente meu espanhol não dá para ler Carlos Ruiz Zafón no original e duvido que um dia consiga ler Jostein Gaarden em norueguês ou Stieg Larsson em sueco, Boris Pasternak em russo, mas Harry Potter, O Senhor dos Anéis, Rebecca, Jane Eyre - entre outros - em português... para mim não tem a mínima graça. Essa é talvez a minha maior mania de leitora. É difícil quem queira esses livros excedentes em inglês e italiano, e já estou me conformando em manter alguns deles, ou, no caso daqueles bem descartáveis mesmo, daqueles que você hoje olha a capa e se pergunta "como é que um dia eu pode ler isso?!?"... ah, esses acho que vão parar na reciclagem mesmo.
Ninguém dá atenção para esse assunto, mas a relação das pessoas com os seus livros é tão íntima quanto uma vida de casal. Há pormenores, traumas, manias. Há sutilezas, pânicos, bloqueios. Prefiro que mexam no meu queijo do que mexam nos meus livros. Ruth Manus
É isso!
(Colagem S.C. Zerbetto)
Lendo: The Woman in the Window, A.J. Finn. Ainda. Estou naquele ponto em que, quando o livro é muito bom, começo a prolongar a leitura para a experiência durar mais tempo.
Boas leituras!
:-)
S.
(Colagem S.C. Zerbetto)
Segue a crônica na íntegra:
As pessoas e seus livros
O Estado de S. Paulo.
25 Feb 2018
RUTH MANUS
Lembro que logo que entrei na faculdade de direito, os olhos do meu pai brilhavam ao me ver perambulando com aquelas dezenas de livros que eu mal compreendia. Francesco Carnelutti, Cândido Dinamarco, Maria Helena Diniz, Franco Montoro, Dalmo Dallari. O simples fato de ver os livros ao meu lado já parecia ser quase suficiente para alegrar aqueles olhos de pai professor, que, no fundo, sabia que frequentemente eu lia sobre teoria geral do direito civil pensando seriamente se meu açaí seria com banana ou com morango.
Até que um dia aquele olhar risonho foi tomado por uma nuvem negra e a expressão pacífica do pisciano ganhou ares de assombro. Ele não podia acreditar no que estava vendo. Ele não queria acreditar que a própria filha, tão Manus e tão alérgica a wasabi quanto ele, pudesse estar cometendo tamanha atrocidade. Ele se aproximou lentamente, como quem estica o pescoço assustado para observar uma vítima de acidente ou um animal selvagem, e me perguntou o que eu estava fazendo.
“Estudando”, eu respondi, um pouco desconcertada com a existência de dúvida perante uma cena tão autoexplicativa. Então ele disse aos solavancos com os olhos arregalados “VO. CÊ. ES. TÁ. GRI. FAN. DO. O. LI. VRO. COM. CA. NE. TA?”. Eu, cada vez mais desnorteada, respondi que sim, estava grifando com marca texto laranja e fazendo anotações com a caneta azul, afinal, o livro era meu, não era da biblioteca. Certo?
Foi então que eu descobri que as pessoas têm relações absolutamente distintas com seus livros. O que parece normalíssimo para alguns, parece um verdadeiro sacrilégio para outros. Temas como emprestar ou não emprestar, doar ou não doar, anotar ou não anotar, dobrar ou não dobrar, tornamse dilemas tão shakespearianos quanto ser ou não ser.
Eu confesso que realmente adoro anotar coisas nos meus livros. Puxar setas, grifar frases, colocar asteriscos. E não tenho qualquer problema em fazer isso a caneta. Até com caneta vermelha, se for preciso. Meus livros frequentemente se parecem com a bandeira do orgulho gay. No entanto, tenho a mais profunda aversão a pessoas que dobram a pontinha da página para marcar algo que julguem relevante. Isso sim me tira do sério.
Minha mãe faz algumas anotações, mas sempre a lápis. Meu pai é absolutamente incapaz de interferir nas linhas. Quando muito, coloca seu nome na primeira página. Minha tia compra o livro, lê e doa. Acho a coisa mais linda do mundo. E não tenho a menor capacidade de fazer o mesmo. Preferiria doar dinheiro vivo para bibliotecas públicas do que doar meus livros. Simplesmente não consigo evitar esse sentimento egoísta de amar prateleiras gorduchas.
Outro dia minha irmã me perguntou por que eu não tinha um Kindle. Eu, antes de lembrar daquele aparelho para ler livros digitais, confundi Kindle com kinder e me perguntei por que minha irmã achava que eu deveria ter ovos de chocolate recheados com surpresas nessa fase da vida. Mas depois que entendi, respondi, quase ofendida, “Ué Nina, porque eu gosto de livros!”. Ela me olhou com aquela cara de administradora hi-tech e disse “os livros não deixam de ser livros por serem digitais”. Até hoje não sei bem o que pensar, me mantendo no conservadorismo do papel.
Soma-se a isso a traumática experiência de emprestar livros. Quantos livros foram e não voltaram? Quantos livros ficaram nas nossas prateleiras sem que saibamos exatamente quem nos emprestou? Tratase de uma prática cujos índices de insucesso rondam os 98%.
Ninguém dá atenção para esse assunto, mas a relação das pessoas com os seus livros é tão íntima quanto uma vida de casal. Há pormenores, traumas, manias. Há sutilezas, pânicos, bloqueios. Prefiro que mexam no meu queijo do que mexam nos meus livros. Eu hein, vai que dobram a pontinha da página.
Nenhum comentário:
Postar um comentário