22 de maio de 2017

A leitura na arte: George Sheridan Knowles





Deixaria neste livro 
toda minha alma. 
Este livro que viu 
as paisagens comigo 
e viveu horas santas.


Que compaixão dos livros 
que nos enchem as mãos 
de rosas e de estrelas 
e lentamente passam!


Que tristeza tão funda 
é mirar os retábulos 
de dores e de penas 
que um coração levanta!


Ver passar os espectros 
de vidas que se apagam, 
ver o homem despido 
em Pégaso sem asas.


Ver a vida e a morte, 
a síntese do mundo, 
que em espaços profundos 
se miram e se abraçam.


Um livro de poemas 
é o outono morto: 
os versos são as folhas 
negras em terras brancas,


e a voz que os lê 
é o sopro do vento 
que lhes mete nos peitos 
— entranháveis distâncias. —


O poeta é uma árvore 
com frutos de tristeza 
e com folhas murchadas 
de chorar o que ama.


O poeta é o médium 
da Natureza-mãe 
que explica sua grandeza 
por meio das palavras.


O poeta compreende 
todo o incompreensível, 
e as coisas que se odeiam, 
ele, amigas as chama.


Sabe ele que as veredas 
são todas impossíveis 
e por isso de noite 
vai por elas com calma.


Nos livros seus de versos, 
entre rosas de sangue, 
vão passando as tristonhas 
e eternas caravanas,


que fizeram ao poeta 
quando chora nas tardes, 
rodeado e cingido 
por seus próprios fantasmas.


Poesia, amargura, 
mel celeste que mana 
de um favo invisível 
que as almas fabricam.


Poesia, o impossível 
feito possível. Harpa 
que tem em vez de cordas 
chamas e corações.


Poesia é a vida 
que cruzamos com ânsia, 
esperando o que leva 
nossa barca sem rumo.


Livros doces de versos 
são os astros que passam 
pelo silêncio mudo 
para o reino do Nada, 
escrevendo no céu 
as estrofes de prata.


Oh! que penas tão fundas 
e nunca aliviadas, 
as vozes dolorosas 
que os poetas cantam!


Deixaria no livro 
neste toda a minha alma...


Federico García Lorca, in 'Poemas Esparsos' 
Tradução de Oscar Mendes

Nenhum comentário:

Postar um comentário